Como será o Arrebatamento?

  • Por N. T. Wright*
  • Tradução e adaptação textual
  • por César Francisco Raymundo

Podemos começar perguntando: 

Que visão do mundo é sustentada, até legitimada, pela  ideologia do  Left Behind [Deixados para Trás]?

   Paulo não sabia como suas metáforas coloridas para a segunda vinda de Jesus seriam mal entendidas dois milênios depois.

   A obsessão americana com a segunda vinda de Jesus - especialmente com interpretações distorcidas - continua inabalável. Visto do meu lado do Atlântico, o sucesso fenomenal dos  livros da Série Deixados para Trás  parece intrigante, até bizarro.[1]

   Poucos no Reino Unido acreditam que a popular série de romances tenha alguma base como: haverá um "arrebatamento" literal em que os crentes serão arrebatados para o céu, deixando carros vazios batendo nas estradas e crianças voltando da escola para descobrir que seus pais foram levados para ficar com Jesus enquanto elas foram "deixadas para trás". Essa versão pseudo-teológica de "Sozinho em Casa" tem assustado muitas crianças em algum tipo de fé (distorcida).

   Este dramático cenário do fim dos tempos baseia-se (erroneamente, como veremos) na Primeira Carta de Paulo aos Tessalonicenses, onde ele escreveu:

   “Pois o próprio Senhor descerá do céu com um grito de comando, com a voz de um arcanjo e a trombeta de Deus. Os mortos em Cristo ressuscitarão primeiro; então nós, que ficarmos vivos, seremos arrebatados com eles nas nuvens para encontrar o Senhor nos ares; e assim estaremos sempre com o Senhor”.
                                                                                      (1ª Tessalonicenses 4:16-17)

O que na terra (ou no céu) Paulo quis dizer?

   É Paulo quem deve ser creditado com a criação deste cenário. O próprio Jesus, como argumentei em vários livros, nunca previu tal evento.[2] As passagens do evangelho sobre “o Filho do Homem vindo sobre as nuvens” (Marcos 13:26; 14:62, por exemplo) são sobre a vindicação de Jesus, Sua “vinda” do céu a terra. As parábolas sobre um rei ou mestre que estava voltando (por exemplo, Lucas 19:11-27) eram originalmente sobre o retorno de Deus a Jerusalém, não sobre Jesus voltar à Terra. Isso, Jesus parecia acreditar, era um evento dentro da história do espaço-tempo, não aquele que terminaria para sempre.

   A Ascensão de Jesus e a Segunda Vinda são, no entanto, doutrinas cristãs vitais[3], e eu não nego que acredito que algum evento futuro resultará na presença pessoal de Jesus dentro da nova criação de Deus. Isso é ensinado em todo o Novo Testamento fora dos Evangelhos. Mas este evento não se assemelhará à história relatada na Série Deixados para Trás. Entender o que vai acontecer requer uma cosmologia muito mais sofisticada do que aquela em que “o céu” está em algum lugar lá em cima em nosso universo, em vez de em uma dimensão diferente, em um espaço-tempo diferente.

   O Novo Testamento, baseado na antiga profecia bíblica, prevê que o Deus criador refará o céu e a terra inteiramente, afirmando a bondade da antiga Criação, mas superando sua mortalidade e corruptibilidade (por exemplo, Romanos 8:18-27; Apocalipse 21:1; Isaías 65:17; 66:22). Quando isso acontecer, Jesus aparecerá dentro do novo mundo resultante (por exemplo, Colossenses 3:4; 1ª João 3:2).

   A descrição de Paulo do reaparecimento de Jesus em 1ª Tessalonicenses 4 é uma versão de cores vivas do que ele diz em duas outras passagens, 1ª Coríntios 15:51-54 e Filipenses 3:20-21: na "vinda" ou "aparição" de Jesus aqueles que ainda estão vivos serão “mudados” ou “transformados” para que seus corpos mortais se tornem incorruptíveis, imortais. Isso é tudo o que Paulo pretende dizer em Tessalonicenses, mas aqui ele empresta imagens - de fontes bíblicas e políticas - para melhorar sua mensagem. Mal sabia ele que suas metáforas ricas seriam mal interpretadas dois milênios depois.

   Primeiro, Paulo ecoa a história de Moisés descendo a montanha com a Torá. A trombeta soa, uma voz alta é ouvida e, depois de uma longa espera, Moisés chega para ver o que está acontecendo em sua ausência.

   Em segundo lugar, ele ecoa Daniel 7, em que "o povo dos santos do Altíssimo" (isto é, o "um como um filho do homem") é justificado sobre seu inimigo pagão ao ser levantado para sentar-se com Deus em glória. Esta metáfora, aplicada a Jesus nos Evangelhos, é agora aplicada aos cristãos que sofrem perseguição.

   Em terceiro lugar, Paulo evoca imagens de um imperador visitando uma colônia ou província. Os cidadãos saem para encontrá-lo em campo aberto e depois escoltam-no para a cidade. A imagem de Paulo do povo “encontrando o Senhor nos ares” deve ser lida com a suposição de que o povo imediatamente se voltará e levará o Senhor de volta ao mundo recém-refeito.

   As metáforas misturadas de trombetas sopradas por Paulo e os seres vivos arrebatados ao céu para encontrar o Senhor não devem ser entendidas como verdade literal, como  sugere a série Deixados para Trás, mas como uma descrição vívida e biblicamente alusiva à grande transformação do mundo atual de que ele fala em outro lugar.

   As metáforas incompreendidas de Paulo representam um desafio para nós: como podemos reutilizar imagens bíblicas, inclusive as de Paulo, para esclarecer a verdade, não distorcê-la? E como podemos fazê-lo, como ele fez, de modo a subverter o imaginário político dos impérios dominante e desumanizador do nosso mundo? Podemos começar perguntando: Que visão do mundo é sustentada, até legitimada, pela  ideologia do  Left Behind? Como isso pode ser confrontado e subvertido pelo pensamento genuinamente bíblico? Para começar, não é a   mentalidade da Série Deixados para Trás apegada a uma visão dualista da realidade que permite que as pessoas poluam o mundo de Deus com base em que tudo será destruído logo? Isso não seria anulado se recapturássemos a visão holística de Paulo sobre toda a criação de Deus?


Copiado do blog: http://www.revistacrista.org/

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